sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Pai e filha,


Soube que ela te ama. Quem diria. É estranho ver minha garotinha, a mesma que ensinei andar de bicicleta e dar nó nos cadarços, amando. Amando de verdade. Ela te escolheu, rapaz. Eu não sei porque, mas foi você. Deve ser um bom garoto. Deve cuidar dela melhor do que posso cuidar agora. Confio nela. Só não confio no coração dela. Sabe, rapaz, é estranho dizer que ela não pertence mais a mim agora. É estranho dizer que não posso mais cuidar — mesmo que ela não queira. da menina que quando nasceu, me fez chorar. Eu não sou de chorar. Ainda nem tínhamos um nome pra ela. Quando vi seus olhos, sua boca, logo disse: Pode se chamar Catarina, amor. E assim foi. Eu me apaixonei por ela. De verdade. Eu amei ela logo que a vi. No começo não estava tão aí, com essa história de ter uma filha. Parecia tão díficil. Mas ela me deu forças. Só aquele olhar. Quando ela saiu da maternidade, trabalhei por mais duas semanas e larguei o emprego. Eu tinha um dinheiro guardado. Fiz as festas de um mês, dois meses, três e assim até onze meses. Depois de um ano. Quando tinha um ano e meio aprendeu a andar. Era bom que precisava de mim pra andar. Andava sempre de mãos dadas comigo. Ah, já falei que a primeira palavra que ela disse foi papai? Pois é. E o tempo foi passando e ela foi aprendendo a andar sozinha. Era tão estranha e metafórica essa ideia de que agora ela podia andar e seguir sozinha, sem a minha ajuda (Estranho mesmo foi ver isso se repetir depois de alguns anos que mais pareceram horas). O tempo passou mais um pouco e coloquei ela na escola. Sentia tanto ciúmes. Todos os meninos gostavam dela. Na hora da saída lá vinha ela, toda sorridente, cambaleando de rir pra mim. Sempre fui eu quem busquei ela na escola. O tempo passou mais um pouco, e mais um pouco, e mais um pouco e assim foi. Quando fez seis anos, ensinei a amarrar os cadarços, era tão engraçada quando errada e dizia: Ah, papai. É muito díficil, cansei. Não dá pra você fazer sempre isso pra mim não? pediu pra frequentar aulas de ballet. Deixei. Até que levava jeito. Tão bonitinha. Pequena, de sapatilha, aquela roupa de ballet que eu não sei o nome e rindo pra mim que sorria ao assistir. Nessa época começamos a viajar. Sempre fazíamos viagens grandes. Por mais que eu soubesse que quando crescesse, iria esquecer tudo que viu, eu gostava de levar. Quando fez oito anos, decidiu sair do ballet. Desistiu. Não quis me meter, afinal era ela quem escolhia. Quando fez nove, perdeu a mãe. Acidente de carro. Eu sofri. Eu sofri muito. Mas…Catarina sempre me deu forças pra continuar. Era como se fosse, minha esposa e mais alguma coisa. Agora ela era tudo pra mim. E naquela época, me senti tão próximo dela. Ensinei a andar de bicicleta, a entrar na piscina sem boia, aprendi a andar de skate junto com ela. Virei o melhor amigo dela e assim foi até fazer onze anos. Já era matura nessa idade. Sabia discutir sobre assuntos interessantes. Religião, política, música. Ah, música! Nas noites frias, sempre íamos pra varanda e ela se deitava na rede pra dormir. E eu ficava lá, tocando todas aquelas músicas que ela gostava no violão. Ela costumava sempre me perguntar porque larguei a carreira de músico quando ela nasceu. Nunca soube responder. Só sei que larguei. Quando fez doze anos, decidiu começar a tocar violão, guitarra e a cantar. Era boa. De verdade. Nessa época nos mudamos e voltamos a viajar sempre. Fazia bem pra ela. Ainda estava abalada por perder a mãe daquele jeito…Tão de repente e cedo, né? Ela era bastante inteligente. Cabeça no lugar. Acho que se fosse morar sozinha, ia dar conta! Quando fez treze anos disse que tinha beijado um garoto e estava namorando com ele. Não briguei, afinal a vida era dela e eu confiava nela. Ela sabia o que fazia. Era bastante inteligente. E eu era o melhor amigo dela. Quase transbordei de ciúmes, mas cuidei bem disso pra que ela não percebesse. Mas não durou muito tempo. Passaram uns dois meses e acabou. Ela nem ficou abalada. Sempre foi boa com essas coisas de superar relacionamento. Que nem eu. Pensei até de ficar mais abalada pela mãe, mas que nada. Ela era forte! Até os quinze teve alguns outros namorados. Soube administrar bem. Nunca se machucou sério, digo, por dentro. De vez em quando estava no telhado, observando as nuvens e pensando na vida. Ou então no seu quarto, lendo livros, tocando músicas tristes ou escrevendo redações engraçadas. Ela nunca foi dessas meninas patricinhas, frescas e essas coisas. Sempre foi mais largada, mais simples. Bem do jeito que os meninos gostavam. Isso me preocupava, mas ela sabia se cuidar. Quando fez quinze anos, não quis festa. Disse que só faria, se eu fosse o príncipe dela. Disse que tinha de ser o melhor amigo, por isso era eu. Eu fiquei tão…orgulhoso. Feliz. Mas disse que não sabia dançar. Então, ela não insistiu na ideia e não tocou mais no assunto. Propus a ela a ideia de viajarmos, que nem uma turnê, ou então dar um estúdio acústico pra ela. Desses que ela sempre quis. Resolveu viajar. Rimos tanto. Tiramos fotos fazendo caretas, fomos a parques, zombamos dos habitantes das cidades que fomos. Brincadeira de turista feliz. Quando ela fez dezesseis anos, disse que tinha perdido a virgindade. Eu havia conversado sobre isso com ela na viagem. Não me senti culpado. Tivemos uma conversa normal. Dessas de melhor amigo e ficou tudo bem. Eu confiava nela. Sempre confiei. Sempre foi eu, e ela. Nos viramos. Acho que nós nunca brigamos. Eu ficava orgulhoso disso. Me sentia um bom pai. Sabe, por fazer todas as vontades, conseguir administrar isso e não ter uma filha mimada. Quando fez dezessete, passou pra faculdade. Acho que aquele foi o ano mais feliz da minha vida. Ela estava feliz, eu estava. Mas fui notando que estava crescendo. Cai na solidão. Mesmo com ela do meu lado. Cai. Andei meio triste. Mas melhorei. Ela se formou e eu fiquei ainda mais orgulhoso. Fomos ainda mais amigos nessa época. E eu estava esquecendo, que ela estava crescendo e eu envelhecendo. Mas isso não vinha ao caso. Isso a gente esquece. Tirávamos fotos juntos, ela não tinha vergonha de sair comigo, sempre viajávamos, fazíamos duetos no violão, cozinhávamos juntos. Tudo. Era perfeito. Nessa época ela tinha…Vinte e um anos. Algo assim. E fomos assim, eu e ela. Ela e eu. Isso até que ela completasse vinte e sete anos. Nunca tivemos uma briga sequer. Isso até ela fazer vinte e oito anos, no dia 31/10. Me lembro que sempre dizia a ela que as bruxas protegeriam ela, por fazer aniversário no dia delas. Mas isso não vem ao caso. No dia 31/10, quando ela fazia 28 anos, chegou em casa e disse que você. Você mesmo. Pediu pra se casar com ela. Gelei, minha garganta fechou, minha mente bagunçou, quase desmaiei. Não estava preparado. Sempre soube que ela não seria minha pra sempre. Mas ela era tudo que eu tinha. Mas me controlei e perguntei: É isso que quer? É isso que vai te fazer feliz? E então ela respondeu: Sim, pai. Foi assim que percebi, que ela te ama de verdade. É o jeito que as palavras saíram suaves, é o jeito que seu olho brilhou, o jeito que sorriu depois que disse. Igualzinho ao jeito que a mãe disse pra mim, no altar: Sim, eu  quero me casar com você.Estranha a ideia de que a mesma menina que ensinei a amarrar os cadarços, a mesma que coloquei pra dormir por noites, agora ia se casar e não seria mais minha. Não seria mais minha garota. Era estranho ver que ela, agora de verdade, te amava. E eu não podia fazer nada. Nada. Então, respondi: Vá em frente. Corre atrás do que te faz feliz. E eu estou aqui, no palco dessa festa de casamento maravilhosa, a mais ou menos duas horas, lendo esse discurso que demorei noites pra escrever e que me fez me afogar em mais ou menos uns cinco rios de lágrimas. Eu estou aqui, lendo isso e enchendo o saco de vocês da festa. Fazendo a maioria chorar também. Mas eu estou aqui, pra dizer: Minha filha sempre foi tudo pra mim. Cuide dela. Cuide de você. Cuide de vocês dois. E por favor, sejam felizes. Me deixem viver minha vida em paz, sabendo que ela está bem contigo, rapaz. Felicidades pro casal, Catarina e Kaíque.“

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